Vale a pena fazer Faculdade de Dança?
A Diretora Artística da Sintonia, Thabata Castro, expõe e comenta suas visões sobre a questão para você refletir e olhar o assunto com outros olhos.
Foto: TCC de Graduação em dança.
"Vale a pena fazer faculdade de dança?" Essa é uma pergunta que escuto frequentemente de pais, alunos, colegas de profissão e de pessoas que pouco acreditam que a Dança pode ser escolhida como profissão. E, é claro, que sempre digo: “SIIIIIIIIIIIIM”!
Será que a minha resposta é um pouco tendenciosa? Pode ser, mas espero que com esse texto, você consiga olhar para o assunto com outros olhos.
Para começar, vou falar um pouquinho sobre a minha experiência na área. Comecei a dançar (balé clássico e jazz dance), efetivamente, aos 14 anos na Academia Milleti Dance, em Mogi das Cruzes. Aos 17, sem muita certeza do que estava fazendo, iniciei a graduação em Dança pela UNICAMP, e dois anos depois, comecei a dar aulas para crianças e adolescentes em escolas de dança da minha cidade. Concluí o Bacharel em Dança em 2012, e a Licenciatura em 2014, e me mantive trabalhando no ensino informal. Atualmente, sou diretora artística e professora de Jazz Dance na Sintonia Escola de Dança.
“Mas para fazer o que você faz, precisa ter feito uma faculdade?”
Na verdade, não consigo pensar em nenhum cargo relacionado a dança que exija diploma na área, o que na minha concepção, é algo extremamente errado e que desvaloriza ainda mais a nossa profissão.
Temos falado bastante, ultimamente, sobre a baixa remuneração de bailarinos, professores e coreógrafos. Ouvimos muito também sobre a dança “ser terra de ninguém”, em que qualquer pessoa que tenha feito meia dúzia de workshops consegue ensinar dança por aí. Esbravejamos quando vemos fotos de top models usando sapatilhas de pontas e contra bailarinos que fazem trabalhos de grande visibilidade gratuitamente para dar aquela “incrementada” no currículo. Mas quase não vemos mobilização quando o assunto é a estruturação da nossa profissão.
Por exmeplo, as “academias” de dança, que são responsáveis pela maior parte desse ensino, e fazem isso informalmente; elas capacitam de fato esses profissionais? Se sim, quem controla a qualidade desse ensino? Elas podem garantir também a formação de professores? Se não é através das academias e escolas de dança informais, e sim de um ensino superior, está certo equiparar um curso que pincele a dança em sua grade curricular a um curso que aprofunde em vários aspectos relacionados a ela?
Mas se você ainda não acha que a graduação em Dança é válida nesse sentido, sugiro uma reflexão. Esses dias ouvi uma pessoa dizendo que sempre dançou e amou a dança, mas que nunca quis segui-la como profissão, então ela escolheu fazer Biologia na faculdade. Até aí, sem problemas, não é mesmo?! Porém, ela finalizou o seu discurso: “Mesmo assim, nunca me distanciei da dança, inclusive ainda dou algumas aulas de balé em algumas escolas.” Você consegue imaginar essa situação acontecendo de forma contrária? Eu dando aula de Biologia, mesmo sendo formada em Dança? Por quê?
Bom, apesar do curso superior não ter me “garantido” um reconhecimento no mercado da dança, eu o considero extremamente significativo em relação ao trabalho que desenvolvo.
Na Prática
Assista a um trecho do meu TCC e em seguida te contarei o que aprendi com a Faculdade de Dança:
O que Aprendi Com o Curso Superior de Dança:
Ele que me proporcionou conhecimentos sobre o corpo (anatomia, fisiologia, cinesiologia e educação somática); musicalização; arte educação; produção cultural; e sobre a dança em várias esferas, como: a psicologia, a filosofia, a técnica, a criação e a expressividade; que estão presentes tanto dentro da minha sala de aula, quanto na coordenação dos cursos da Sintonia, que são de minha responsabilidade.
Por Dentro da Graduação de Dança:
A graduação em dança não foca somente no domínio de técnicas, mas visa o “pensar a Dança” e tudo que se relaciona a ela. Promove então reflexões e fornece inúmeras ferramentas que te fazem compreender que ela não é só a prática, mas muita teoria também. Isso amplia e muito o aprendizado no setor e transforma a arte do movimento em objeto e instrumento de pesquisa, já que a dança é uma área de conhecimento que deve e que precisa ser estudada.
Além de tudo o que já disse, outro ponto muito importante a mencionar, é a “pegada” Caio Fernando de Abreu: “Para provar novos chás, é preciso esvaziar a xícara”. A faculdade de Dança assume esse papel, ela te provoca, tira do conforto e te desconstrói. Pois diferente de muitos outros cursos, você já chega com um conhecimento prévio (em algumas instituições esse conhecimento é obrigatório e em outras não), e é esse conflito com tudo o que você aprendeu sobre a dança, na sua vida inteira, que te fará ampliar o seu olhar sobre ela.
Abrir a mente para o fato de que a dança pode ter muitos papéis como o do entretenimento, o cultural, o social, o político e o econômico. Ela também pode ter muitas caras, não precisa ser apenas bela e encantadora, pode ser esquisita, intensa, angustiante, irritante, estimulante, inquietante, coisas que antes talvez não tenham sido pensadas por você. Tudo isso te fará perceber um leque de possibilidades, e sentir que a dança tem sim um espaço para você.
Apesar de defender a importância da graduação, não a considero o único nem o melhor caminho a ser seguido, e sim uma opção muito importante, mas que ainda é pouquíssimo considerada por quem planeja trabalhar com a dança. E é claro, que não podemos esquecer que até ontem, não existiam muitas faculdades com o curso de Dança em seu catálogo, o que tornava a graduação um caminho menos acessível a muitas pessoas. Hoje, porém, temos a Dança em universidades públicas, particulares, e em cursos técnicos, em vários estados do Brasil.
Ainda que grandes instituições tenham a Dança como Curso Superior, não vemos a graduação ser um requisito obrigatório para os profissionais que atuam na área e ainda que estejamos longe do cenário ideal da nossa profissão, precisamos começar a construí-lo para conseguirmos nos sustentar neste trabalho que tanto amamos.
Os depoimentos abaixo ilustram um pouco de toda essa reflexão, com visões de diferentes pessoas, que cursam ou cursaram dança e que atuam ou desejam atuar na profissão:
“Para mim, a faculdade de dança significa descoberta. A descoberta de um novo corpo, um novo espaço, uma nova dança. Ou muitas. Novas relações, novos sons, novas culturas.A descoberta de um novo (grande) mundo.”
Stella Andreatta (Bacharela em Dança pela UNICAMP).
“Acredito que fazer faculdade de dança vai muito além de estudar o corpo e suas possíveis expressividades. Para mim, foi uma escolha de muita fé e coragem. "Fé" de que esse era o caminho correto para mim e "coragem" para adentrar um mundo que não havia planejado estar. E apesar da insegurança que carrega fazer uma faculdade da área de Arte na sociedade atual, e, perante ao caótico contexto político que vivemos, significa libertação. É sobre nadar contra a corrente produtivista-industrial e se permitir vivenciar e investigar o âmbito sensível que compõe a humanidade. Para mim, é tudo isso. É sobre aprender a ensinar a melhor forma de se fazer um demi-plié, mas, sobretudo, é libertar-se para valorizar a sensibilidade humana, muitas vezes esquecida e desvalorizada na contemporaneidade.”
Yasmin Chung (Cursando o 3º ano de Bacharelado e Licenciatura em Dança na UNICAMP)
“O mundo da dança na faculdade é totalmente diferente, ele te abre a mente, te dá novos horizontes, sua pequena dança se transforma em muito mais que possibilidades. Hoje, eu vejo que fazer a faculdade faz toda diferença, independente se ela é tão valorizada ou não como deveria. O curso me mostrou um universo a ser explorado, dentro do que mais amo, e me deu esperança na carreira dos meus sonhos.
Sobre o curso posso dizer que ele te intriga e te questiona o tempo todo. Fazer a faculdade me mostrou que meu trabalho pode ser explorado em diferentes aspectos e minhas aulas vem se transformando ao longo do tempo.
Estudar é para sempre, se renovar e reinventar dentro dessa área é constante. Mas acredito que a faculdade dá o primeiro olhar diferente sobre isso.”
Giovanna Rodrigues - (Cursando o 2º ano Licenciatura em Dança na Faculdade Paulista de Artes)
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Diante de tudo o que estamos vivendo, ficou mais fácil perceber o quanto é ruim não termos algumas exigências para o exercício da nossa profissão. Talvez agora, vendo boa parte da dança sendo movida por trabalhadores informais e desvalorizados, gerida por pessoas despreparadas e acostumadas com a falta de estrutura e apoio profissional, passemos a entender a importância desse debate e a relevância de uma organização da área nesse sentido. Queremos a dança com o valor que ela merece na hora da escolha de um ofício, e não que ela seja sempre a opção que “sobrou” para quem já esteve em contato com ela.
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Opções de Graduação em Dança no Brasil: http://www.ifdj.com.br/site/wp-content/uploads/2015/07/Graduacoes-em-Danca-no-Brasil.pdf
Graduação em Dança em São Paulo:
● Bacharelado e Licenciatura em Dança:
UNICAMP: https://hosting.iar.unicamp.br/daco/graduacao/tcc-bacharelado/
https://hosting.iar.unicamp.br/daco/graduacao/tcc-licenciatura/
ANHEMBI MORUMBI: https://portal.anhembi.br/graduacao/cursos/danca/#sobre
● Licenciatura em Dança:
FPA: http://fpa.art.br/web/licenciatura-danca/
UNIESP: http://uniesp.edu.br/sites/institucional/curso.php?id_curso=304